domingo, dezembro 19, 2010

Moving On

Não deu tempo de dormir. Já tínhamos dito ao proprietário da espelunca de downtown que sairíamos na manhã do dia seguinte. Tava tudo empacotado, só precisávamos levar algumas coisas até o outro apartamento.
Nossa grande sorte, é que um dos meninos que estavam na banda com a gente, tinha carro. E quando chegamos lá com algumas malas e umas duas caixinhas, Sam foi com sua caminhonete pegar nossos dois colchões, a única cama que tínhamos e um armário.
O lugar era sensacional. Ainda não tínhamos subido pra ver. Era um prédio de dois andares e quatro apartamentos. Sam me contara depois que aquilo era todo o patrimônio que ele tinha conseguido nos vinte anos que estava em Seattle. Ele não podia reclamar, veio pra cá numa fase boa de crescimento, e o dinheiro que tinha conseguido de alguns anos de trabalho na Irlanda, tinha investido tudo ali.
Todos os apartamentos eram iguais. Dois andares. Uma relíquia na cidade que tinha crescido desenfreada e com lugares minúsculos pra morar. Ao lado direito da porta de entrada, estava uma cozinha de piso claro e paredes claras. Uma pequena área de serviço e um banheiro estilo lavabo. A sala era ampla, com um bar próximo a porta e um quarto logo em baixo do piso superior, pequeno, mais aconchegante.
No piso de cima, um quarto, estilo loft, com uma janela de onde se vê toda a vista da cidade, tomando a parede toda e um banheiro, a direita. O chão era todo de madeira, isolando um pouco do frio.
Meus olhos brilharam quando viram o apartamento. Não pensava na hora como iria pagar tudo aquilo. Nossos salários provavelmente não dariam pra cobrir aquele espaço todo, devia custar uma fortuna.
Parei em frente a janela e fiquei estática, olhando o Space Needle majestoso no meio da cidade. Uma lágrima desceu pelos meus olhos, quando ouço uma voz de menino irregular atrás de mim. ‘Precisa de ajuda?’ – perguntava o adolescente por trás dos cabelos pretos caídos nos olhos.
Quando me virei e olhei bem nos olhos dele, disse um não instantâneo e com um sorriso nos lábios. O rosto tomava uma cor vermelha intensa, quando me respondeu, ‘se precisar, estou no apartamento ao lado ’
‘Você é filho do Sam, certo?’ – eu perguntava quando ele já caminhava em direção a escada.
‘Sou sim’ – me respondeu virando subitamente.
‘Prazer, Alice’
‘John’ – me deu a mão que tinha um suor frio e melado.
‘Eu lembro de ter te visto quando viemos aqui semana passada’ – comecei uma conversa enquanto abria uma das caixas e tirava umas bugigangas.
‘É eu estava ajudando meu pai. ’
‘E você é sempre assim?’
‘Assim como?’
‘Prestativo, tímido... Está com medo de mim?’
‘Errr, não... Errr’ – ele me respondia com a voz trêmula
‘Eu não mordo’ – disse rindo
Ele não disse nada, só olhou pra mim por entre a franja caída e deu um sorriso.
‘Seu pai disse que veio da Irlanda, você nasceu lá?’
‘Não’
‘Humm... Mas conhece lá?’
‘Não, nunca fui... ’
‘Tenho vontade, as pessoas dizem que é um país muito bonito’ – falei assoprando o cabelo que caia pela minha testa.
‘Meu pai quer me levar pra lá daqui uns anos, quando eu fizer 18 anos... ’ – falou bem baixo
‘Desculpe, mas quantos anos você tem?’ – perguntei com cara de indignação.
‘Vou fazer 15, daqui há um mês’
‘JURA?!?’ – exclamei num tom alto e de espanto
‘Jura o quê?’ – pergunta Daniel, segurando uma das portas dos armários e olhando estranho pra mim e pra John.
‘Não eu tava aqui conversando com John, o filho do Sam... ’ – respondi
‘Oi, sou Daniel... Namorado da Alice’
Nunca tinha visto o Daniel falar com aquele tom. John esticava a mão e se escondia entre os cabelos pra cumprimentá-lo quando ele largou a porta no chão e virou as costas deixando John mais encabulado que antes.
‘Não liga, ele... ’
‘JOHN, VENHA AJUDAR’ – gritava Sam pela porta, enquanto John já descia as escadas sem olhar pra trás.
Daniel nunca tinha aprontado uma grosseria dessas antes, e eu tinha mais vergonha pelo que ele tinha feito do que ele mesmo.
Enquanto eu limpava o apartamento, os meninos com a ajuda de Sam e John, montavam o armário e a cama. Não tínhamos muitas coisas, então, não demoraria pra colocar tudo no lugar.
‘Vocês têm hábitos diferentes’ – dizia Sam me olhando lavar a cozinha.
Eu ri. E disse que não éramos diferentes de ninguém. Trocando uma conversa cotidiana, disse que precisava ir ao mercado comprar algumas coisas que nós não tínhamos.
Sam disse que tinha algumas coisas no depósito do bar que não estava mais usando. Eram alguns copos, uns pratos, uns talheres. Tinha uma cama velha de John, uma mesa e umas cadeiras, que ele tinha trocado de sua casa, e mais algumas outras coisas que preenchiam uma casa vazia. Perguntou se não estávamos interessados, e se isso não nos ofendia. Aceitei tudo, sem pensar duas vezes.
Enquanto ele ajudava os meninos trazerem algumas dessas coisas do depósito, ele pediu pra que John fosse comigo ao mercado, já que eu não conhecia a região. Daniel se prontificou na hora que iria em meu lugar, mas eu calmamente olhei pra ele e disse que iria.
Lex resmungou algum comentário machista sobre mulheres no mercado e todos rimos, mas Daniel continuava com a mesma cara sisuda.
‘Vem John, vamos’ – disse puxando ele pelo braço.
Descemos as escadas em silêncio sepulcral, quebrada pelas minhas desculpas pela atitude de Daniel. Ele respondeu um tudo bem contido e continuou andando de cabeça baixa e me olhando por entre a franja.
John tinha uma expressão linda de tristeza. Eu não sabia por que, mas toda vez que olhava pra ele, via o semblante de um adolescente só.
‘ Faz tempo que você namora com ele?’ – me perguntou colocando as mãos no bolso
‘Não... Faz uns quatro meses... Nos conhecemos já há quase um ano, mas estamos namorando mesmo há uns quatro meses, por aí’...’e você, namora?’
‘Não’ - monossílabicamente ele me respondeu, sem olhar pra mim, voltando a tomar aquela cor quase arroxeada, de tão vermelha.
‘Faz bem’ - respondi em meio há um riso – ‘ mas me conte mais de você’
‘Não tem muito pra falar... Eu moro com meu pai e estudo... Só’
Enquanto pegava uma cesta no mercado, e começava a olhar algumas frutas pra comprar, perguntei sem pensar:
‘E sua mãe?’
‘Eu não tenho mãe’. Um longo silêncio se fez e eu percebi que tinha tocado em um assunto muito delicado.
‘Desculpe... Eu não queria... Eu não sabia que... ’
‘Não tem problema’ – ele respondeu cortando minhas desculpas – ‘eu não sei quem ela é, e não tenho vergonha de dizer isso às pessoas, se elas me perguntam... ’ – falou firmemente, pela primeira vez,
‘Bom isso é bom, certo?’
‘Acho que é’ – deu de ombros.
Voltamos pra casa falando banalidades e ele começava a se soltar um pouco mais, mesmo me olhando ainda por entre as franjas. John tinha um sorriso bonito de jovem sonhador. Aos poucos vi que podia ganhar sua confiança. Só assim pessoas tímidas vão se tornando amigáveis.
‘Você canta bem, tem a voz boa’ - me disse já subindo as escadas.
‘Ah, tenho nada... ’ – respondi desdenhando enquanto ele sorria.
‘Que bom que vocês estão se dando bem’ – disse Sam, com um sorriso largo nos lábios saído do apartamento.
‘Quem sabe assim, alguém consegue tirar você desse casulo... ’
‘Pai... ’
‘Vamos, eles tem agora que arrumar as coisas do jeito deles, e a gente têm coisa pra fazer em casa’ – resmungou Sam, saindo – ‘Tchau Alice’.
‘Tchau Sam, obrigado por tudo... ’
‘Ah, não é nada não... E já conversei com o Lex sobre o aluguel e as outras coisas, depois você pergunta a ele, ok?
‘Ok’
‘Vamos menino, vai ficar parado aí, vem logo me ajudar!’
‘Tchau, Alice’ – ele falou sem olhar nos meus olhos e quase correndo atrás do seu pai. Segurei-o pelo braço.
‘Tchau John... ’ – dei um beijo em seu rosto. ‘Viu, eu não mordo... ’. Ele sorriu e me olhou novamente por entre a franja.
‘JOHN!’. Gritava Sam enquanto ele corria olhando pela porta pra mim antes de entrar.
Quando entrei, Daniel estava saindo da cozinha:
‘Demorou né?...Não era só pra comprar umas coisinhas?’
‘Estava conversando com o Sam aí na porta’, respondi seca.
‘Garoto idiota aquele filho do Sam... Tem cara de idiota... Tem... ’
“Daniel, não gostei do jeito que você tratou o menino... ele tem só 15 anos e não gostei do que você fez com ele... me pareceu que o menino tem mais maturidade que você’
‘Hum, acabou de conhecer o fedelho, e já ta defendendo?!? O que ele fez no caminho do mercado com você? Fez você go... ’
‘Alice, tem uns panos aqui, não sei se... ’, descia o Lex com uns panos na mão, enquanto Daniel apertava meu braço.
‘Pode deixar aí na cozinha que já vou olhar, vou guardar essas compras’, respondi soltando meu braço da mão de Daniel e indo pra cozinha.
‘Está tudo bem?’
‘Está’ - respondi sem olhar nos olhos de Lex.
Enquanto guardava as compras, derrubava umas lágrimas de raiva e pensava que muitas coisas em minha vida, a partir dali tinham que mudar. Muitas. Subi pra colocar as minhas roupas dentro do armário e alguns objetos pessoais, quando Daniel sai do banheiro. Abraçando-me por trás e passando a mão sobre meu corpo, me beijando no pescoço.
‘Desculpa’
Não respondi. Ele me virou com força e me colocou entre ele e a parede, enquanto tirava meu cinto.
‘Fiquei com ciúmes... ’ E me beijava enquanto eu tentava me livrar dele.
‘Ciúmes de que? O menino tem 15 anos Daniel... 15 anos... ’ – respondia enquanto fugia de suas carícias.
‘Mas sabe transar. Nessa idade, todo mundo já sabe transar... ’ - me segurando pelos braços e me empurrando com seu corpo intensamente contra a parede, descendo a mão pelos meus braços e se despindo.
‘Daniel, não gosto desse tipo de atitude... Não sou assim, e não quero que você seja assim comigo... ’ – tentando sair.
‘Fiquei louco de vontade agora... De você ser minha’.
Ele sabia o que fazer pra que eu caísse na tentação do desejo e quando tudo tinha terminado me soltou, e saiu perguntando:
‘O que vai ter pra gente jantar?’
‘Macarrão ao molho’ - respondi descendo pela parede, sentando ao chão e olhando pela janela. Era quase noite em Seattle.

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