Out of Downtown
Era aquilo, e sabíamos fazer de melhor. Tínhamos que sair de downtown urgente. Ninguém mais agüentava aquele apartamento péssimo que morávamos, nem nossos amigos insetos.
Se conseguíssemos o emprego, teríamos mais condições de arrumarmos pelo menos uma coisa melhor, e com um aquecedor que funcionasse.
Sam era o nome do dono do bar. Era baixinho, gordo e simpático. Suas bochechas vermelhas e os olhos claros nos davam uma impressão de confiança extrema. O sorriso estava sempre no rosto, mas lá no fundo, víamos uma ponta de vida sofrida, perda, luta e muito orgulho de ter chegado vivo, até a idade que seus fartos cabelos brancos exibiam.
A conversa entre nós fluía bem. Parecíamos ter nos conhecido há anos, mesmo sabendo que estávamos ali só por algumas horas. Ele era imigrante, mas tinha chegado a Seattle quando as coisas por aqui ainda eram diferentes.
Ele já não era ilegal como nós. Tinha conseguido tudo com seu esforço. E não tinha passado por discriminação como nós, por ter a mesma língua da região. Apesar do sotaque que já estava sendo perdido, irlandeses falavam a língua nativa. Era um ponto positivo.
Sentado ao fundo do balcão, havia um garoto de cabelos lisos, bem pretos e olhos bem claros. Um pouco mais verdes que os do pai. Tinha traços mais finos e menos marcantes. Se os cabelos fossem compridos, poderíamos o confundir com uma garota. A pele era branca como pancake.
Ele olhava atentamente a tudo através da franja que insistentemente caia em seus olhos. Tinha um ar tímido e se via que não passava de um garoto de 16 anos pelas suas fartas espinhas no rosto.
Sam nos apresentou como seu filho. Disse que mesmo sabendo do risco que corria, John, esse era seu nome, ajudava nas coisas corriqueiras do bar. Não tinha ninguém que tomasse conta então, as tarefas domésticas eram divididas entre os dois.
John olhava fixamente para as coisas, e levantava as sobrancelhas quando algo diferente o encantava. Não sorria. Mas a expressão de seus olhos dizia o porquê não deveria sorrir. E não me engano muito quando descubro o sentido das pessoas.
Fomos convidados a trabalhar no bar para tocar. Eu o perguntei se precisava de uma garçonete. Poderia ajudar com outras coisas, como limpar, ficar no bar, essas coisas. Sam me ofereceu primeiramente um emprego de garçonete. Disse que estava com uma garota que ia ter licença maternidade e não ia mais trabalhar, já que o seu novo marido preferia que ela parasse de trabalhar. Fiquei com a vaga da garota. Começaríamos todos na próxima semana. De quebra, Sam nos ofereceu um apartamento no prédio onde tinha o bar, pra ficarmos mais próximos pra que pudéssemos ensaiar no bar mesmo.
Voltamos todos doidos de alegria pra casa. Já na próxima semana começaríamos a trabalhar. E se conseguíssemos, em breve estaríamos saindo daquele lugar. Já não era sem tempo.
Daniel me abraçava e me beijava muito naquele dia. Não sei se pela primeira vez, era um esforço garantido, alguém que não tinha tido preconceito algum conosco. Era uma satisfação. Uma graça. E Daniel estava mais do que acreditando em tudo. Falava muito, gesticulava muito, sorria um sorriso diferente.
Uma semana nos preparando, pensando, como daríamos um fim na exploração que estávamos vivendo. Trabalhando naquele bar perto de casa, ganhávamos pouco, e mal dava pra fazer algo diferente.
A lanchonete ainda dava pra manter, mas trabalhando pro Sam, do outro lado da cidade, a gente não ia conseguir conciliar os horários, principalmente nos dias da apresentação. Já naquela mesma semana, eu tinha procurando alguma outra coisa ali por perto, pra poder ficar com um emprego a noite, e outro de dia.
Meu objetivo era o curso de produção, eu não podia estragar tudo. Precisava daquele sacrifício para manter as coisas no lugar. Eu já sabia que não ia ser fácil a vida fora de casa, e que sofreria do cansaço e de não ter mais as coisas na mão. Eu não me importava. Por um instante eu acreditava que a estúpida independência valia a pena.
E na idéia de que tempos melhores viriam, entrei de cabeça em um compromisso com minhas responsabilidades. Juntava cada centavo que podia em prol dos meus planos. Fiquei obcecada por trabalhar. Esqueci de tudo, só via hora do emprego e a idéia de começar o curso em breve.
Mas ainda tinha que sair de onde estava e receber pelo serviço do mês. Deitada na cama, enquanto Daniel tirava minha roupa como num frenesi tentador, eu fechava os olhos e pensava que nada mais a partir dali poderia me abalar.
O Conclave
Há 13 anos