Daniel
Daniel apareceu duas semanas após estarmos em Seattle. Nada me foi mais surpreso, porque eu poderia esperar qualquer coisa em minha nova vida, mas não esperava um fantasma do passado.
Daniel era alto. Tinha os cabelos castanhos claro e os olhos castanhos. Mãos firmes. Boca vermelha, carnuda. Falava grosso e tinha ar de quem não se importava muito com o que os outros falavam.
Lembro-me da primeira vez que vi Daniel. Estava encostado na parede do colégio, com a cabeça erguida, mas os olhos baixos. Tínhamos uma amiga em comum. Ela me falava muito dele, e de como eu ia gostar de sua personalidade logo de cara.
Daniel não tinha o ar de menino dos outros caras do colégio que eu conhecia. Parecia experiente, esperto e sabia como falar, diferentemente dos outros. Fui subitamente arrebatada de uma sensação de perigo quando o vi, mas me entreguei as suas conquistas.
Não foi nem a primeira, nem na segunda e nem a terceira vez que estivemos juntos que nos beijamos. Ainda lembro como se fosse hoje. Ele tocou a campainha da minha casa, me procurando, com lágrimas nos olhos. Abraçou-me insistentemente e de repente me beijou, sem que mesmo esperasse.
Ficamos por meses a fio, mas nunca estivemos juntos de verdade. Nunca foi um compromisso completo.
Daniel tinha um grande poder de persuasão. Era inteligente, astuto e sabia como fazia para comover as pessoas que estavam ao seu lado. Tinha um sorriso inconfundível e era só ele pedir para que qualquer um concordasse. Era interessante, atraente e fazia pose de carente, conquistador.
E quando foi a Seattle, disse a mim que fez o diabo para chegar ali, que ele não poderia mais perder as oportunidades que a vida lhe oferecia, e sim aproveitar ao máximo tudo aquilo que o destino tinha lhe dado.
E foi aí que ele percebeu que eu era uma oportunidade, e que ele não podia deixar para trás. Correu atrás de todas as pessoas que ele conhecia para poder me encontrar e saber exatamente onde eu estava.
Resolvemos então voltarmos nosso relacionamento. Arrumamos um emprego para ele na mesma lanchonete em que eu e o Alex trabalhávamos. E de quebra, resolvemos alugar um apartamento.
Uma das piores coisas que fizemos. O lugar era péssimo. Cheio de baratas e ratos. A gente não via água quente quase nunca. E o aquecedor era péssimo. Como tem mais dias frios que dias quentes, então, foi horrível.
Eu e Daniel dividíamos a cama enquanto o Alex dormia num colchão no chão. O lugar era basicamente um quarto e uma cozinha, bem estilo americano. As paredes eram daquele branco meio sujo e o chão era de madeira. O banheiro era pequeno, nojento e nada limpava aqueles azulejos.
Nossa cozinha tinha um fogão e uma geladeira. Os pratos eram contados, assim como os talheres e os copos. Tudo lá dentro era de segunda mão. Não tinha nada novo.
As baratas eram habitantes assíduas da casa. Nessa época perdi o total medo que tinha por elas. Os meninos chegavam a apelidá-las, e eu vivia com um chinelo à mão para exterminar qualquer uma que viesse ao meu caminho. De vez em quando apareciam alguns camundongos também.
O aluguel era pago em dia, mas como éramos estrangeiros, o proprietário fazia descaso às nossas reclamações e nada era consertado como pedíamos. Aliás, de todo o tempo em que ficamos lá, nada foi consertado, a não ser por nós mesmos.
Dava desânimo de morar ali, mas era o que nosso bolso podia pagar. A rotina de nossas vidas era tão grande que não dava tempo para brigas e discussões. Dávamos-nos bem na medida do possível, e meu relacionamento com Daniel era tranqüilo, morno, sem muitas emoções.
Até hoje me pergunto se, algum dia, senti algum tipo de paixão por ele. Nunca obtive essa resposta, por vários motivos.
Depois de algum tempo juntos, percebi que não era encanto que ele sentia por mim, mas sim só um esteio para que ele não se sentisse sozinho. Eu fingia que não sabia de suas traições e ele fingia que mentia muito bem para mim.
Mesmo assim, Daniel foi o primeiro homem a me tocar. O primeiro homem que foi para cama comigo. E eu sempre achei que ia ser especial, mágico e tudo o que uma garota adolescente imagina que vai ser.
Não teve velas, nem perfume, nem música ambiente muito menos um eu te amo no final. Teve só desejo, atração. Não passava disso. Eu me sentia muito atraída por ele, mas não sentia nada. Não tinha ciúmes, não havia compromisso, respeito, dedicação. Era puro contato físico, e não era dos melhores.
Na época, importava muito mais os meus planos de fazer o curso de produção musical, o trabalho e a idéia de voltar a estudar, que as outras coisas eram só fatos.
Daniel era como um ator coadjuvante em minha vida. E eu também era na dele. Éramos jovens e ele muito mais inconseqüente do que eu.
Passávamos muito pouco tempo junto, e quando estávamos juntos ou assistíamos TV, ou estávamos ensaiando, tocando músicas. Tínhamos montado uma banda ele, eu, Alex e mais dois caras que trabalhavam com a gente na lanchonete.
Arrumamos um lugar pra trabalhar a noite. Pagava bem e podíamos de vez em quando, tocar as nossas covers. Era mais um lugar de exploração, mas até aí, quem reclamou?
Já fazia alguns meses que Seattle tinha ilegalmente nos acolhido. Alex quase não ficava junto conosco, com medo de atrapalhar nossa tão feliz relação, e saía quase todas as sextas e sábados, sozinho.
Numa dessas saídas, foi parar em um bar do outro lado da cidade. E quando a bebida começa a virar confessionário, ele contou tudo ao senhor que estava o servindo. Todas as coisas que estávamos passando desde que chegamos aqui. Alex só faltou dar o número de nossas contas bancária, que não tínhamos. Óbvio.
Como uma estratégia divina do destino, o tal senhor era dono do bar. E se comoveu com a situação do moço. Fomos então, chamados para fazer uma apresentação a ele. Claro que foi tudo bem, e de cara o dono gostou da gente.
Daniel sorria a mim, como nunca tinha sorrido antes. Pela primeira vez, vi uma satisfação em seus olhos. E claro, só fui ver essa satisfação novamente meses depois.
O Conclave
Há 13 anos